sábado, 23 de junho de 2012

DE PASSAGEM - Piricó


Estava eu muito bem sentada a ler o jornal, sem música nem TV ligadas aproveitando a tranquilidade dos fins de semana em que há muito pouco trânsito aqui na rua, quando comecei a ouvir uma barulheira infernal – e, obviamente, inusitada - de motas. Parecia que, de repente, estavam a circular centenas de motas aqui na rua. Fui à janela, claro! O que parecia... era mesmo. Centenas de motas, com os ‘motards’ todos de ‘T-shirt’ branca com uma fotografia de uma cara estampada na frente, a acelerar e fazer ‘raters’ acompanhando um carro funerário. E ainda vários carros, um dos quais com uma buzina imitando o ruído de uma aceleração e um ‘rater’ de mota. Depois alinharam as motas todas em frente à entrada do cemitério, parando o trânsito, e fazendo barulheira com acelerações e ‘raters’. Finalmente percorreram o cemitério já a pé mas com um de mota lá no meio a fazer barulho e gritando e batendo palmas, “Quem é que é o maior?”, “Piricó! Piricó! Piricó!”, clap-clap-clap, VRUMMM! VRUMM! PÁ! PÁ! Estranhamente a iniciar o cortejo ia um carro funerário com um caixão logo seguido de um grupo de 'motards' apeados e carregando outro caixão?!?!?! Quando passaram aqui à porta só vi um carro funerário, o mesmo que vi passar já dentro do cemitério. Será que o 2º caixão levava a mota do falecido ‘motard’ Piricó? 

Desde que moro aqui que já me habituei a funerais ruidosos, de militares, sempre com paragens de trânsito e salvas de tiros à entrada do cemitério, e de ciganos, que não param o trânsito nem fazem nenhuma cerimónia à porta do cemitério mas têm  carpideiras que fazem uma gritaria e uma choradeira  que se ouve em toda a zona. Mas funeral de ‘motard’ nunca tinha assistido e pelos vistos é o mais ruidoso de todos.

quinta-feira, 7 de junho de 2012

DE PASSAGEM - no autocarro 2


O autocarro transportava pouca gente. Algumas pessoas iam de pé mas porque queriam, existiam vários lugares sentados vagos. Reparei num casal muito bem vestido, o homem de fato apesar do calor que estava, porque os vi correr desenfreadamente para apanhar o autocarro e porque eram nitidamente índios, achei que seriam brasileiros ou, pelo menos, sul ou centro americanos. Um pouco depois deste casal ter entrado no autocarro, na primeira paragem depois da inicial onde eu o tomara, comecei a ouvir uns “ais”, repetidos e sonoros, que pareciam de uma mulher a ter um orgasmo. Eu vinha sentada no penúltimo banco pelo que tinha uma boa visão de todo o autocarro. Achei que os “ais” eram uma brincadeira parva de alguma das passageiras adolescentes (3 ou 4). Estava observando todas as passageiras adolescentes para tentar descobrir quem era a emissora dos “ais” - e ainda só tinha conseguido eliminar a que ia no banco logo à frente do meu, (apesar de ela ir tão enrolada num namorado que até podia estar mesmo a ter um orgasmo), porque os “ais”, sem sombra de dúvida, estavam a ser emitidos mais longe de mim -, quando vejo uma passageira, não adolescente mas sim trintona, sentada na coxia meio autocarro à minha frente, ter uma espécie de “espasmo” e quase cair do banco em simultâneo com mais um sonoro “ai”. Nesse momento o senhor bem-vestido, que ia em pé logo à frente da ‘aiadora’, segurou-a e colocou-lhe a mão aberta sobre a cabeça. Houve quem pedisse ao motorista para parar e chamar uma ambulância. O homem parou e veio ver o que se passava. O ‘bem vestido’, sempre com a mão colocada na cabeça da ‘aiadora’, ajudou-a a mudar-se da coxia para a janela e a ‘bem vestida’ que o acompanhava sentou-se ao lado. Não houve mais “ais” nem mais espasmos. O motorista regressou ao seu lugar e o autocarro retomou a marcha. Na paragem seguinte o ‘bem vestido’ saíu. A ‘bem vestida’ que o acompanhava ficou no autocarro, mas voltou a pôr-se de pé. Uma senhora velhota, que ia no banco atrás da ‘aiadora’, e que entretanto tinha metido conversa com ela, mudou-se para o lugar ao lado dela. Essa velhota e outros passageiros próximos comentaram que a ‘aiadora’ tinha tido um ataque de epilepsia. Mal o autocarro arrancou da paragem a dita velhota pôs-se de pé e pediu para o motorista parar para deixar sair a ‘aiadora’, porque tinha acabado de descobrir que a dita cuja queria ir para o Largo do Rato (o autocarro de que falo ia da Alameda para Chelas, ou seja, para um lado totalmente oposto ao Largo do Rato). E sairam ambas. 
Eu fiquei com a sensação de ter acabado de assistir a uma sessão da IURD...  Os ais e o espasmo, não foram um ataque de epilepsia, (sei o suficiente sobre eplilepsia para ter a certeza disto), a aposição da mão aberta na cabeça da fulana é um gesto usado pelos pastores da IURD nos seus “exorcismos” (já vi na TV). A minha dúvida é se a ‘aiadora’ era meia maluca e aquela cena toda foi só e apenas porque entrou em pânico quando percebeu que estava no autocarro errado, e a atitude do ‘bem vestido’, mesmo que seja pastor da IURD, foi apenas uma atitude solidária, e casual, para a acalmar?!?!?!? ou se toda a cena foi mesmo uma cena, uma encenação da IURD, uma forma “em espectáculo” (tão ao gosto da IURD) de proselitismo?????