segunda-feira, 28 de setembro de 2015

BANALIDADES - A rapariga da camisola azul



Meia-noite e meia. Fui para a janela observar a rua enquanto aguardava que o meu computador finalizasse umas actualizações para poder desligá-lo e ir dormir. Mal cheguei à janela vi-a a atravessar a rua do lado do meu prédio para o outro lado. Aparentava uns vinte e tal, trinta anos. Vestia uma saia branca, justa, com um comprimento ligeiramente acima dos joelhos, uma camisola polo de mangas compridas azul escura e uns mocassins pretos rasos. Não usava nenhuma carteira, nem saco, nem mala. Se tinha algum objecto com ela. tinha de ser algo suficientemente pequeno para estar enfiado em algum bolso ou fechado na mão. Era morena com cabelo preto liso a rasar os ombros e aparentemente bem tratado. Quando chegou ao outro lado da rua olhou para um dos prédios e disse “Olá! Olá!”. Pensei que estava a falar para alguém numa das janelas mas olhando o prédio percebi que todas as janelas estavam com as persianas fechadas e que o mesmo acontecia no prédio ao lado. Ela entretanto deu uns passos e ficou em frente desse outro prédio,  parada no meio do passeio, de braços cruzados, olhando para um lado e para o outro e fixando insistentemente todas as (poucas) pessoas que passavam até desaparecerem do seu raio de visão. Depois caminhou pelo passeio para o outro lado. E parou em frente à porta de outro prédio, olhando a porta, e lá ficou uns bons minutos. Depois continuou a caminhar, lentamente e de forma errática, pelo passeio, pelo meio da rua, de um lado da rua, depois do outro. Até que parou em frente a outro prédio já a bastante distância daqui. Enquanto ela estava aí “plantada” vi aparecer vindo do cruzamento um homem. Que mal virou aqui para a rua se escondeu no vão da porta de um café àquela hora encerrado. Depois atravessou a rua para o lado do meu prédio e começou a caminhar em passos lentos e rentinho à parede. Tive a sensação de que estava a observar a rapariga sem querer ser visto por ela. Quando ele se aproximou aqui do prédio tive quase certeza absoluta porque ele foi lentamente até à beira do passeio espreitar (do meio do passeio não conseguia ver o ponto onde ela se encontrava porque há uns prédios que têm uns jardins na frente cujos muros e arbustos tapam a visão). E também percebi que o conhecia. É filho, e ajudante, de um pedreiro que mora numa rua aqui próxima e que algumas vezes fez obras em casa duma amiga minha que mora aqui. Conheço-o porque já várias vezes o encontrei quando estava com essa minha amiga, e fixei-o porque tem uma figura fácil de fixar, é muito alto e magro com cabelos encaracolado e barba, e vejo-o várias vezes a circular por aí. Ele voltou para trás, sempre rente às paredes, parou um bom bocado a uns dois prédios daqui e depois voltou a atravessar a rua e a esconder-se na porta do café e poucos minutos depois foi-se embora por onde tinha vindo. Todo este tempo a rapariga esteve sempre parada no mesmo sítio. Pouco depois de ele ter ido embora ela recomeçou a sua caminhada lenta e errática desta vez de lá para cá. Às tantas um automóvel comercial parou em frente a uma padaria que fica a quatro ou cinco prédios de distância  do mesmo lado da rua do meu prédio. Ela circundou o automóvel por duas ou três vezes, primeiro ainda com o ocupante dentro do automóvel, depois já com ele fora do automóvel a retirar coisas da carga. Finalmente dirigiu-se a ele. E quando ele se dirigiu ao prédio com a carga ela foi atrás. Por causa dos muros e arbustos que já referi eu, apesar de estar de alto, também não consigo ver as entradas desse prédio que fica imediatamente a seguir. E o meu computador tinha entretanto terminado as actualizações e eu fui dormir. 
(Saravá Pedro Homem de Melo autor de "O rapaz da camisola verde" que me inspirou para o título desta publicação).

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

HISTÓRIAS ANTIGAS - Como é possível?!?!?



Um dia, há muitos anos, na rua onde eu morava disparou um alarme dum carro, daqueles tipo buzina de camião, por volta da meia-noite. E uma hora depois ainda continuava a buzinar. Eu queria ir dormir e a primeira coisa que pensei foi chamar a polícia. Mas já farta de ser sempre eu a ter de me chatear a chamar a polícia, apesar de existirem mais milhentos incomodados, e sendo o meu quarto para as traseiras da casa, um pátio privado e oposto à rua onde estava a buzina, decidi fechar totalmente todas as janelas e estores e portas interiores e enfiar uma almofada em cima da cabeça, medidas que eliminaram para mim o barulhão do alarme, e deixar a solução do problema para os outros incomodados sem recursos iguais ao meu para resolver o incómodo, os (muitos) vizinhos que tinham os quartos virados para a rua. No dia seguinte de manhã, quando saí no bairro,  fresca e bem dormida, encontrei imensos vizinhos, ensonados e cheios de olheiras, a queixarem-se de dores de cabeça e a lamentarem-se porque não tinham conseguido dormir nada à conta da buzina que, segundo disseram, tinha atroado os ares ininterruptamente até às 7 da manhã. E – como é possível?!?!!? -  nenhum desses, muitos, lamentosos ensonados tinha feito absolutamente nada para tentar parar aquela barulheira.

domingo, 20 de setembro de 2015

HIATÓRIAS ANTIGAS - Vizinho estranho



Morei durante muitos anos em Paço de Arcos. Em dada altura foi morar para o andar debaixo um casal um pouco estranho. Vestiam-se como 'hippies' dos anos 60, apesar de estarmos nos  anos 90 e deles terem no máximo 30 anos de idade, tinham filhos atrás de filhos, quando cruzávamos respondiam ao meu cumprimento sempre com os olhos no chão, ele ausentava-se periodicamente por bastante tempo.

Quando já tinham 4 filhos houve uma noite em que ele me foi tocar à campainha logo depois do jantar, 20H30 mais coisa menos coisa. Cumprimentou-me e disse que precisava falar comigo e eu, parva, embora não conseguindo vislumbrar nenhum assunto, mandei-o entrar. Sentados na minha sala ele começou com uma conversa que eu nem estava a acreditar porque era de loucos. Disse-me que tinha energias negativas em casa e que como se dedicava à magia branca achava que as energias negativas só podiam estar a vir de alguém nas proximidades que se dedicava à magia negra. Como eu recebia muitas pessoas achava que era eu que fazia sessões de magia negra e que era daí que iam as energias negativas para a casa dele. Entre o preocupada por estar sózinha, em minha casa, com uma pessoa mentalmente desequilibrada e o perdida de riso com a história, lá lhe respondi que não fazia magia de espécie nenhuma e que as pessoas que recebia em casa eram simples amigos que vinham jantar, conversar, tomar um café. Mas não resisti a acrescentar que achava que aquela visita dele para me fazer aquela pergunta não servia para nada,  ele não tinha como saber se o que eu lhe respondera era verdade. Lançou-se num discurso em que começou por afirmar que sabia que eu tinha dito a verdade porque sentia que eu tinha dito a verdade e continuou por ali fora a falar de magia branca e magia negra, coisas sem nexo nenhum (nem mesmo no universo da magia) e que às tantas já iam na prática de sexo tântrico que dizia ter com a mulher. Eu continuava entre o preocupado e o divertido e a pensar como ia livrar-me dele  quando fui salva pelo telefone. Era um amigo meu a dizer que estava ali perto e a perguntar se podia passar lá por casa. Eu disse que sim, o meu vizinho “nuts” percebeu que eu ia receber alguém e despediu-se e foi embora.

Alguns dias depois, mais ou menos pela mesma hora, eu estava  a ler, ele voltou a tocar-me à campainha. Quando abri disse-me que só tinha vindo saber se eu estava bem porque me tinha ouvido gritar. Respondi-lhe que não tinha gritado, que estava tudo bem, agradeci e despachei-o. Mas  fiquei mesmo preocupada com a loucura do homem. Porque nem eu tinha gritado nem ninguém tinha gritado na vizinhança, eu estava a ler com a casa em completo silêncio, sem música nem TV ligadas, se alguém tivesse gritado algures na vizinhança eu também teria ouvido. E eu não tinha ouvido grito algum, nada, ninguém tinha gritado.

Mais uns dias passados, 4 da manhã,  sou acordada pela campainha da minha porta a tocar “a fogo”. Levantei-me assarapantada, vesti qualquer coisa rapidamente e fui à porta. Era a polícia acompanhada pelo vizinho. Abri, convencida de que algo de grave estava a acontecer no prédio. Os polícias, mal eu abri a porta devem ter logo percebido que o vizinho não regulava bem. Tinha sido ele a chamá-los porque eu estava a ameaçá-lo de morte. Respondi-lhes que, como com certeza já tinham percebido, eu estava a dormir e não a ameaçar ninguém e, claro, eles pediram desculpa e foram embora.

Voltei a dormir e quando acordei de manhã lembrei-me da cena. Mas achei-a tão “fora” que estive uns bons minutos sem conseguir ter a certeza se tinha acontecido ou se eu tinha sonhado , “É tão real... aconteceu mesmo”, “Não, não pode ser, devo ter sonhado”, “Mas é mesmo real, acho que aconteceu”, “Eu ando preocupada com o vizinho se calhar sonhei”. Fiquei certa de que era real, tinha acontecido, quando reparei que tinha os óculos ali ao pé da cama. Uso lentes de contacto e só costumo usar os óculos desde que me levanto até sair para o trabalho e, por isso, o sítio dos óculos é na casa de banho, onde os coloco depois de lavar a cara ao levantar-me, e os retiro quando coloco as lentes antes de sair. Portanto ter os óculos ao lado da cama era sinal de que os tinha usado durante a noite e a única explicação para isso era a cena ter sido real e não um sonho pois não sou sonâmbula. Fiquei FURIOSA!!! O homem era de certeza maluco e eu não estava para o aturar e tinha de lhe dar um basta. Quando saí de casa parei no andar de baixo e toquei mas ninguém me atendeu. Fui trabalhar e ao fim do dia estava ainda mais furiosa com o assunto do que de manhã. Voltei a tocar no andar de baixo quando regressei a casa. Ele respondeu-me de dentro de casa, disse que no momento não podia abrir, eu identifiquei-me e disse que queria falar com ele e ele disse que logo que pudesse ia a minha casa. Apareceu uns minutos depois. Muito simpático, todo sorrisos “Quer falar comigo aqui na sua casa ou quer vir à minha?”. Respondi-lhe: “Nem uma coisa, nem outra. Falamos aqui mesmo à porta pois o que tenho para lhe dizer é curto. O senhor já anda a aborrecer-me há muito tempo, foi a história da magia negra, depois foi a história do grito, mas ontem ultrapassou todos os limites com a cena das ameaças de morte às 4 da manhã. Portanto fica avisado, não vem mais tocar-me à porta por razão alguma pois se vier sou eu quem chama a polícia para dar queixa de si. Adeus.” E fechei a porta.

Ele não voltou a aparecer à minha porta. Passado pouco tempo ausentou-se por longos dias. Quando voltou não saía para trabalhar e andava muitas vezes na rua, para trás e para a frente, descalço, de tronco nu, sujo, desgrenhado. Algum tempo depois voltou a ausentar-se e durante essa ausência veio a mulher bater-me à porta. Abri temendo que fosse outra loucura qualquer. Mas não era. Era sim a explicação – já adivinhada – das loucuras anteriores. Disse-me que o marido sofria de uma esquizofrenia grave, que estava cada vez pior, que tinha a casa toda preta de fumo de vela das “magias” dele, que ela já não aguentava mais e estava a tentar divorciar-se, que o marido não queria o divórcio e que o psiquiatra que o acompanhava  também achava que o divórcio era mau para ele, e por isso vinha pedir-me para, caso precisasse, eu testemunhar a favor dela contando as maluqueiras que ele aprontara comigo. Disse-lhe que sim mas – felizmente – não foi preciso. Ele não voltou a aparecer (suponho que tenha ficado internado) e alguns meses depois ela e as crianças também se mudaram.