Cheguei 5 minutos
antes da hora marcada e já umas dezenas de pessoas formavam um semi-círculo em
frente à entrada da Ermida da Senhora da Saúde. Lá no meio consegui vislumbrar
dois músicos sentados e mais 3 ou 4 pessoas. Na hora marcada uma dessas pessoas
fez uma breve apresentação do que ia seguir-se, apresentou a fadista e pediu
que depois dela cantar seguíssemos os guias. Terminado o fado o grupo
dividiu-se em dois, falantes de português de um lado, com um guia que só ia
falar português, cerca de 40 pessoas quase todas portuguesas, acho que só 4 ou
5 pessoas, aparentemente familiares umas das outras, eram brasileiras, e
falantes de qualquer outra língua do outro lado com um guia poliglota, cerca de
20 pessoas. E depois do guia ter contado
um pouco da história da Mouraria e ter chamado a atenção para a Torre do Jogo
da Péla, um resquício da Muralha Fernandina entalada entre dois prédios do
outro lado do Largo, e para a placa, no prédio que faz esquina com as
Escadinhas da Saúde, que assinala a porta de S. Vicente, de entrada na cidade
muralhada de Lisboa, que existiu naquele local, seguimos viagem pela Rua da
Mouraria, parámos na entrada da Esquadra da PSP, que está instalada no edifício
do Real Colégio dos Meninos Orfãos, para apreciar o portal manuelino com as
colunas montadas de cabeça para baixo na reconstrução feita pós terramoto de
1755, (não sei porque não entrámos para ver a azulejaria..., talvez por sermos
muitos???), e depois de nova paragem para apreciar os edifícios medievais, com andares de ressalto,
(recuperados) na esquina com a Rua do Capelão e ouvir o guia contar a história da
Maria Severa cuja casa fica nessa rua (assinalada com uma placa, assim como a casa de Fernando Maurício), foi por ela que seguimos. No larguinho
chamado “da Severa” onde a rua termina, houve nova sessão de fado, com o
público engrossado por residentes. A fadista começou a cantar colocada entre os
dois músicos que a acompanhavam mas a meio do fado, e para melhor interagir com
o público, deslocou-se para alguns passos à frente dos músicos. Quando quis
regressar ao lugar inicial para começar a cantar outro fado, o lugar estava
ocupado por um gato, bem refastelado e com ar de “dono-do-pedaço” que não
mostrou a menor intenção de sair de lá. A fadista comentou isso para o público
dizendo que o gato, pelos vistos, gostava de fado. Um residente na assistência
esclareceu que o gato era uma gata e se chamava Severa. E a Severa lá ficou até
ao fim do espectáculo em que a fadista cantou mais 3 ou 4 fados,
todos muito conhecidos e permitindo a participação da assistência, cantando
refrões, ou lá-lá-lá, ou batendo palmas. A fadista e os músicos despediram-se e
nós continuámos com o guia. Que nos mostrou um registo de azulejos (São Marçal
e Santa Bárbara) num prédio ali mesmo, e depois a tasquinha “Parrerinha” com
uma esplanada coberta de parreira já na Rua da Guia e que integra a “Rota das
Tasquinhas e Restaurantes da Mouraria”, e um pouquinho mais acima a janela do
último andar de um dos prédios onde o morador colocou uma “placa toponímica”
com o nome do Fadista Fernando Maurício, em protesto por a CML ter dado o seu
nome a uma rua em Marvila em vez de ali, na Mouraria, onde ele nasceu e viveu.
Mal o guia nos tinha resumido esta história e o residente pôs um fado de
Fernando Maurício a tocar para a rua e veio à janela reiterar de viva voz o seu
protesto por a CML ter dado o nome de Fernando Maurício a uma rua em “Chelas”.
Conheço a rua, que fica em Marvila, tal como Chelas, mas num bairro novo e
bonito, a Urbanização do Vale Formoso, em Braço de Prata, (e fiquei a pensar
que talvez também fosse bom organizar visitas dos Mourarianos antigos ao resto
da cidade pois, pelos vistos, para eles tudo o que fica para oriente da zona
histórica é “Chelas”, ou, pelo menos, toda a Marvila é “Chelas”). Mais à frente,
no Largo das Olarias, encontramos a Ermida do Senhor Bom Jesus da Boa Sorte
(que o guia disse ser de Nossa Senhora da Boa Sorte, lapso desculpável já que o
guia não é um profissional mas sim um guia-voluntário) e seguimos atravessando
a Rua dos Lagares e subindo a Calçada do Monte onde virámos para a Travessa da
Nazaré que percorremos até ao Antigo Palácio dos Távora, onde funciona a
Associação Desportiva da Mouraria que visitámos. A casa é belíssima e possui um
terraço com uma vista espectacular. Também gostei da associação, há mais de 30
anos que não entrava numa associação do género e a sensação foi de “regresso ao
passado”. Ignorando pequenos pormenores que remetem para a actualidade, como
por exemplo uma fotografia da fadista Carminho, toda a decoração e ambiente são
iguaizinhos às minhas memórias de há 30 anos. Depois descemos até à Rua das Olarias,
passando por uma antiga Vila Operária para a qual o guia nos chamou a atenção,
para grande desagrado de um morador que ia a entrar e o ouviu e que nos gritou, furioso, que
aquilo não era uma Vila Operária, era “Privado”, e seguimos, descendo, até à Rua do Bem Formoso, regressando ao ponto
de partida.
Esta foi a minha primeira Visita Cantada na Mouraria, na 6ª
feira 24 de Agosto, que fiquei a saber durante a visita ser o Percurso 2 destas
visitas, e que adorei.
Ontem repeti para fazer o percurso 1. E também gostei. O
guia era outro, por coincidência a fadista era a mesma – Teresa Tapadas, uma
pessoa agradável e simpática com óptima interacção com o público – mas o
reportório que cantou foi diferente. E, claro, o percurso, a partir do Largo da
Severa, também foi diferente, e muito mais curto. O guia ainda nos levou, num
sobe e desce pela Rua João de Outeiro, até à Rua Marquês de Ponte de Lima, e eu
aproveitei para indagar ao guia o nome das duas igrejas existentes nessa rua e
num Largo num dos topos dela (só uma delas visível do ponto onde estivemos) que
conheço das minhas deambulações por conta própria pela Mouraria mas das quais
ainda não tinha conseguido ter a certeza do nome, cada uma junto de seu
palacete (aos quais provavelmente pertenceriam???), junto do Palácio da Rosa a
Igreja de São Lourenço, e junto ao Coleginho a Igreja de Nossa Senhora do
Socorro. Os divertimentos espontâneos e imprevistos desta vez resumiram-se à
senhora que durante o espectáculo no Largo da Severa se juntou ao coro do
restante público, no refrão de “Canto o Fado”, fora de tempo, em altos berros e
completamente desafinada. A gata Severa não apareceu mas foi mencionada pela
fadista, que perguntou por ela. E um residente (o dono?) esclareceu que estava
a dormir num local fresquinho por estar muito calor.
Estas Visitas, e outros eventos na Mouraria, são organizadas
pela Associação Renovar a Mouraria (ligação para a página da associação abaixo).
Associação Renovar a Mouraria