Pelos meus 19 anos tive um namorado, da mesma idade, que era músico
e que fazia jus ao estereótipo do artista “aéreo”, distraído. As histórias que
se seguem, que lembrei recentemente por causa duma conversa com um amigo, foram
protagonizadas por ele e ainda hoje me fazem rir.
Eu estava em casa do meu namorado
e ia lá jantar. Ele era o “patriarca” da família, vivia com a mãe, a irmã e a
avó e nunca fazia nadica de nada em
casa, mas nesse dia, dada a minha presença e instado por todo o mulherio da
família, foi ele quem pôs a mesa. O menu era carne assada com puré de batata.
Servi-me eu, com a primazia de visita, serviu-se a avó, serviu-se a mãe,
serviu-se a irmã e ficámos todas à espera que ele se servisse para
começarmos a comer. Ele serviu-se com mil cuidados, umas colheres de puré
fazendo um monte no meio do qual abriu uma cova, umas fatias de carne, e umas
generosas colheradas do molho da carne que despejou na cova do monte de puré.
Nesse momento todos observámos com estranheza o molho castanho a alastrar pela
toalha fazendo uma nódoa gigante à volta do prato. Foi então que percebemos que
não havia prato e que ele se tinha servido com mil cuidados para a toalha à sua
frente. Os pratos usados lá em casa eram de vidro transparente e liso e ele
esquecera-se de colocar prato no lugar dele e, com a sua “cabeça no ar”,
conseguira servir-se sem reparar que estava a colocar a comida na toalha e não
no prato. E fê-lo com tal naturalidade e convicção que também nenhuma de nós
reparou que ele não tinha prato. Apesar da porcaria que o incidente causou e de
termos sido obrigados a levantar e voltar a pôr a mesa antes de começarmos a
jantar o absurdo da situação foi tão cómico que só deu para rir.
Uma tarde, depois do almoço, eu e o meu namorado, ligeiramente “mocados” com um
charrito que tinhamos fumado pelo caminho, entrámos no café para tomar a bica. O
café estava completamente cheio com montes de pessoas em cada mesa, mas na mesa
mais ao fundo, num cantinho, sózinho com os seus livros e papelada, a estudar,
estava o namorado da irmã dele, um super atinadinho e arrumadinho aluno de
direito e militante da UEC. Fomos perguntar se podíamos sentar-nos lá para
tomar o café. Ele ficou um bocado incomodado mas a nossa relação com ele era
cordial e, portanto, aguentou-nos, afastando a papelada para nos dar espaço,
embora com um sorriso um bocado amarelo. Pedimos os cafés e copos de água e,
assim que o empregado os colocou na mesa, o meu namorado em um, dois, três, deu
um piparote num dos copos de água que tombou encharcando a papelada e os livros do
arrumadinho. Como não bastasse, com a atrapalhação de remediar a asneira e na
tentativa de salvar a papelada do banho, levantou-se de rompante deixando cair
o cigarro aceso que tinha na mão para dentro da pasta do arrumadinho que
estava, aberta, no chão ao lado da mesa. Nesta altura dos acontecimentos eu, que
estava a tentar controlar o riso para não irritar (mais) o arrumadinho, explodi
em gargalhadas, num ataque de riso incontrolável, pondo toda a gente a olhar
para nós e a rir contagiada pelo meu riso. O meu namorado, que também já não
conseguia controlar o riso, lá conseguiu apanhar o cigarro antes de causar um incêndio
a seguir à inundação. E o coitado do arrumadinho, cujo sorriso cordial passara
de amarelo a verde no meio da gargalhada geral que estrondeava por todo o café,
arrumou tudo dentro da pasta e fechou a dita cuja ficando à espera que nós
bebêssemos os cafés e fôssemos embora para retomar a sessão de estudo.
Sem comentários:
Enviar um comentário