sábado, 16 de novembro de 2013

HISTÓRIAS ANTIGAS - O distraído




Pelos meus 19 anos tive um namorado, da mesma idade, que era músico e que fazia jus ao estereótipo do artista “aéreo”, distraído. As histórias que se seguem, que lembrei recentemente por causa duma conversa com um amigo, foram protagonizadas por ele e ainda hoje me fazem rir.



Eu estava em casa do meu namorado e ia lá jantar. Ele era o “patriarca” da família, vivia com a mãe, a irmã e a avó e nunca fazia nadica de nada  em casa, mas nesse dia, dada a minha presença e instado por todo o mulherio da família, foi ele quem pôs a mesa. O menu era carne assada com puré de batata. Servi-me eu, com a primazia de visita, serviu-se a avó, serviu-se a mãe, serviu-se a irmã  e ficámos todas à espera que ele se servisse para começarmos a comer. Ele serviu-se com mil cuidados, umas colheres de puré fazendo um monte no meio do qual abriu uma cova, umas fatias de carne, e umas generosas colheradas do molho da carne que despejou na cova do monte de puré. Nesse momento todos observámos com estranheza o molho castanho a alastrar pela toalha fazendo uma nódoa gigante à volta do prato. Foi então que percebemos que não havia prato e que ele se tinha servido com mil cuidados para a toalha à sua frente. Os pratos usados lá em casa eram de vidro transparente e liso e ele esquecera-se de colocar prato no lugar dele e, com a sua “cabeça no ar”, conseguira servir-se sem reparar que estava a colocar a comida na toalha e não no prato. E fê-lo com tal naturalidade e convicção que também nenhuma de nós reparou que ele não tinha prato. Apesar da porcaria que o incidente causou e de termos sido obrigados a levantar e voltar a pôr a mesa antes de começarmos a jantar o absurdo da situação foi tão cómico que só deu para rir.





Uma tarde, depois do almoço, eu e o  meu namorado, ligeiramente “mocados” com um charrito que tinhamos fumado pelo caminho, entrámos no café para tomar a bica. O café estava completamente cheio com montes de pessoas em cada mesa, mas na mesa mais ao fundo, num cantinho, sózinho com os seus livros e papelada, a estudar, estava o namorado da irmã dele, um super atinadinho e arrumadinho aluno de direito e militante da UEC. Fomos perguntar se podíamos sentar-nos lá para tomar o café. Ele ficou um bocado incomodado mas a nossa relação com ele era cordial e, portanto, aguentou-nos, afastando a papelada para nos dar espaço, embora com um sorriso um bocado amarelo. Pedimos os cafés e copos de água e, assim que o empregado os colocou na mesa, o meu namorado em um, dois, três, deu um piparote num dos copos de água que tombou encharcando a papelada e os livros do arrumadinho. Como não bastasse, com a atrapalhação de remediar a asneira e na tentativa de salvar a papelada do banho, levantou-se de rompante deixando cair o cigarro aceso que tinha na mão para dentro da pasta do arrumadinho que estava, aberta, no chão ao lado da mesa. Nesta altura dos acontecimentos eu, que estava a tentar controlar o riso para não irritar (mais) o arrumadinho, explodi em gargalhadas, num ataque de riso incontrolável, pondo toda a gente a olhar para nós e a rir contagiada pelo meu riso. O meu namorado, que também já não conseguia controlar o riso, lá conseguiu apanhar o cigarro antes de causar um incêndio a seguir à inundação. E o coitado do arrumadinho, cujo sorriso cordial passara de amarelo a verde no meio da gargalhada geral que estrondeava por todo o café, arrumou tudo dentro da pasta e fechou a dita cuja ficando à espera que nós bebêssemos os cafés e fôssemos embora para retomar a sessão de estudo.

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