Meia-noite e meia. Fui para a janela observar a rua enquanto
aguardava que o meu computador finalizasse umas actualizações para poder
desligá-lo e ir dormir. Mal cheguei à janela vi-a a atravessar a rua do lado do
meu prédio para o outro lado. Aparentava uns vinte e tal, trinta anos. Vestia
uma saia branca, justa, com um comprimento ligeiramente acima dos joelhos, uma
camisola polo de mangas compridas azul escura e uns mocassins pretos rasos. Não
usava nenhuma carteira, nem saco, nem mala. Se tinha algum objecto com ela.
tinha de ser algo suficientemente pequeno para estar enfiado em algum bolso ou
fechado na mão. Era morena com cabelo preto liso a rasar os ombros e
aparentemente bem tratado. Quando chegou ao outro lado da rua olhou para um dos
prédios e disse “Olá! Olá!”. Pensei que estava a falar para alguém numa das
janelas mas olhando o prédio percebi que todas as janelas estavam com as
persianas fechadas e que o mesmo acontecia no prédio ao lado. Ela entretanto
deu uns passos e ficou em frente desse outro prédio, parada no meio do passeio, de braços cruzados,
olhando para um lado e para o outro e fixando insistentemente todas as (poucas)
pessoas que passavam até desaparecerem do seu raio de visão. Depois caminhou
pelo passeio para o outro lado. E parou em frente à porta de outro prédio,
olhando a porta, e lá ficou uns bons minutos. Depois continuou a caminhar,
lentamente e de forma errática, pelo passeio, pelo meio da rua, de um lado da
rua, depois do outro. Até que parou em frente a outro prédio já a bastante
distância daqui. Enquanto ela estava aí “plantada” vi aparecer vindo do
cruzamento um homem. Que mal virou aqui para a rua se escondeu no vão da porta
de um café àquela hora encerrado. Depois atravessou a rua para o lado do meu
prédio e começou a caminhar em passos lentos e rentinho à parede. Tive a
sensação de que estava a observar a rapariga sem querer ser visto por ela.
Quando ele se aproximou aqui do prédio tive quase certeza absoluta porque ele
foi lentamente até à beira do passeio espreitar (do meio do passeio não
conseguia ver o ponto onde ela se encontrava porque há uns prédios que têm uns
jardins na frente cujos muros e arbustos tapam a visão). E também percebi que o
conhecia. É filho, e ajudante, de um pedreiro que mora numa rua aqui próxima e
que algumas vezes fez obras em casa duma amiga minha que mora aqui. Conheço-o
porque já várias vezes o encontrei quando estava com essa minha amiga, e fixei-o
porque tem uma figura fácil de fixar, é muito alto e magro com cabelos
encaracolado e barba, e vejo-o várias vezes a circular por aí. Ele voltou para
trás, sempre rente às paredes, parou um bom bocado a uns dois prédios daqui e
depois voltou a atravessar a rua e a esconder-se na porta do café e poucos
minutos depois foi-se embora por onde tinha vindo. Todo este tempo a rapariga
esteve sempre parada no mesmo sítio. Pouco depois de ele ter ido embora ela
recomeçou a sua caminhada lenta e errática desta vez de lá para cá. Às tantas
um automóvel comercial parou em frente a uma padaria que fica a quatro ou cinco
prédios de distância do mesmo lado da
rua do meu prédio. Ela circundou o automóvel por duas ou três vezes, primeiro
ainda com o ocupante dentro do automóvel, depois já com ele fora do automóvel a
retirar coisas da carga. Finalmente dirigiu-se a ele. E quando ele se dirigiu
ao prédio com a carga ela foi atrás. Por causa dos muros e arbustos que já
referi eu, apesar de estar de alto, também não consigo ver as entradas desse prédio
que fica imediatamente a seguir. E o meu computador tinha entretanto terminado as
actualizações e eu fui dormir.
(Saravá Pedro Homem de Melo autor de "O rapaz da camisola verde" que me inspirou para o título desta publicação).
(Saravá Pedro Homem de Melo autor de "O rapaz da camisola verde" que me inspirou para o título desta publicação).