Durante muitos anos morei num 4º andar onde tinha muitas plantas mas nenhum animal. Um dia andava a limpar o quarto e fui à despensa buscar um produto de limpeza. Ao atravessar o ‘hall’, 3 ou 4 passos entre o quarto e a despensa, olhei distraidamente para a sala. Mal cheguei à porta da despensa, de onde a sala já não era visível, tive a muito estranha sensação de que tinha visto um gato sentado na sala no meio das plantas. Dei dois passos atrás para voltar a olhar com atenção e perceber o que é que me tinha parecido um gato. Não parecia, era mesmo, um lindo gato cinzento sentado no meio dos vasos, com o maior desplante, como se estivesse na casa dele. Entrei na sala aproximando-me dele e ouvi na varanda do prédio do lado, que confinava com a varanda da minha casa, as vozes do casal que lá morava chamando “Tommy! Tommy! Tommy!”. Chamei Tommy ao gato, fiz-lhe umas festinhas e, quando me assegurei de que podia pegar-lhe sem correr o risco de ser toda esgatanhada, agarrei-o pelo cachaço, dirigi-me com ele à varanda, chamei os vizinhos e devolvi-lhes o gato. Esta foi a primeira de muitas visitas que recebi do Tommy, um gato maluco que passava de uma varanda para a outra ultrapassando um vão do comprimento dele, numa largura de não mais de 15 cm, entre dois muros com uma guarda de metal no topo. Manobra arriscada, tão arriscada que o Tommy caiu à rua por 3 vezes, fracturou o maxilar e quebrou dentes e fez luxações nas patas, mas logo que recuperava das maleitas voltava a aventurar-se. Um dia, logo de manhã, ouvi os donos do Tommy a chamarem-me. Fui à varanda falar com eles. Queriam saber se o Tommy estava em minha casa porque tinha desaparecido e já tinham ido à rua procurá-lo, pensando que ele teria caído mais uma vez, mas não o tinham encontrado. Eu não tinha visto nem sentido o Tommy mas, mesmo assim, dei uma volta à casa à procura dele. Em vão, ele não estava em minha casa. Pensei, e os donos do Tommy também, que se ele não tinha caído à rua mais uma vez, só podia estar na casa dos meus vizinhos do outro lado, do outro apartamento do 4º andar do meu prédio, entre a minha varanda e a deles havia um peitoril contínuo (das janelas das salas) com 60 cm de largura, uma autêntica autoestrada para um gato. Mas esses vizinhos saiam muito cedo para trabalhar, naquela hora já não estavam em casa, só ia dar para lhes perguntar se o Tommy estava lá pelo fim da tarde. Os donos do Tommy e eu saímos também para trabalhar. Quando regressei a casa no final da tarde os meus vizinhos ainda não tinham chegado. Deixei-lhes um bilhete colado na porta a pedir para irem falar comigo quando chegassem. Eles foram. A meio da noite tinham sido acordados por uns ruídos na sala. Levantaram-se assustados, julgando ter um ladrão em casa e ao chegarem à porta da sala o susto passou a terror quando viram uns olhões brilhantes no meio da escuridão. Claro que no momento seguinte perceberam que era um gato (embora isso não tenha melhorado muito a situação de susto e medo porque tinham fobia de gatos) e claro que o tinham enxotado para a escada pois pensaram que era por aí que ele tinha entrado, esgueirando-se sorrateiramente no momento em que eles tinham chegado. Como eles me disseram que ele tinha fugido escada acima, subi para o procurar. No patamar intermédio entre o 5º e o 6º andar estava um “armazém” de pequenas peças de mobiliário e lá bem escondido, só com o rabo de fora, o Tommy. Falei com ele, chamei-o, ele respondia com miaus angustiados mas não se mexia. Não me atrevi a agarrá-lo à força, gosto muito de gatos mas não gosto de ser arranhada e aquele gato não me conhecia assim tão bem, nem eu a ele, e estava assustado. Resolvi ir buscar leite para tentar atraí-lo, afinal ele devia estar ali enfiado há quase 24 horas sem comer, uma tigela de leite seria apetecível. Resultou, embora não da maneira que eu tinha pensado, ele não tocou no leite mas julgo que a minha oferta o fez perceber que as minhas intenções eram amistosas. E saiu do esconderijo e seguiu-me até casa. Aí encaminhei-o para a varanda e ele de imediato fez a manobra arriscada entre as varandas e foi para casa. Algum tempo depois eu mudei de casa e o Tommy saiu da minha vida.
Sem comentários:
Enviar um comentário