Por cima do andar onde eu vivia, na Av. Afonso III em
Lisboa, havia dois sotãos habitados (99% de certeza ilegais enquanto
habitações, mas isso é outra história). Do meu lado, i.e. mesmo por cima de
mim, morava um rapaz caucasiano, "russoucranianooualgoassim", bem
educado, simpático q.b., sossegado. Do outro lado morava uma rapariga, mistura
caucasiano/africano, de nacionalidade qualquer coisa de língua portuguesa menos brasileira porque não tinha pronúncia brasileira,
que de sossegada, simpática e educada não tinha nada! Era uma bagunça todas as
noites, montes de gente barulhenta num entra e sai, num sobe e desce a
escada , às vezes 2, às vezes 3, 4, 5, 6 vezes. Uma noite, cerca das 23H00
a bagunça escada acima, de um grupo de pessoas, era, nitidamente, pela velocidade, os arfares e as exclamações, de quem ia a fugir de alguma coisa e, simultaneamente, ouvi uma barulheira exaltada na rua. Aproximei-me
de uma das janelas da frente, que estava meio aberta e com a persiana
também meio aberta e um dos homens que vi lá em baixo (eram 2) estava
armado com um trabuco, não percebo nada de armas mas 'macacos me mordam' se
aquilo não era uma caçadeira de canos serrados ou uma 'shotgun' como as da
polícia, e, mal pressentiu um movimento na minha janela - EU - apontou o
trabuco na minha direcção. Com o trabuco a visar-me, aconteceu-me o que só
acontece em situações de grande susto, pensar, em 1 segundo ou menos, uma
quantidade tão grande de coisas que depois não se consegue perceber como foi
possível fazer aquele raciocínio todo em tão pouco tempo. Pensei: “ele não é/está completamente
desnorteado ou já teria rebentado a porta do prédio a tiro e entrado por aí
dentro a dar tiros para todo o lado, eu não sou, certo e seguro, a pessoa a
quem ele quer dar um tiro, mas... se ele não me vir bem, ou seja se eu fugir,
pode pensar que sou e, no mínimo, dar uns tiros para a janela e eu ficar com
tudo escaqueirado e, no máximo... pode mesmo rebentar a porta do prédio e mais
a do meu apartamento a tiros e ainda me dar um tiro a mim, por engano, já
dentro da minha casa... O melhor é mostrar-me!” E foi o que fiz, abri a persiana e a janela na
totalidade e mostrei-me. Resultou! Mal me mostrei ele deixou de visar a minha
janela e apontou o trabuco para o chão. Voltei para dentro, fechei a
janela na totalidade e, claro! fui telefonar para o 112 para mandarem a
polícia. Estava eu a pegar o telefone e o caramelo deu 4 tiros (tiraços!) para
o ar. Chamei a polícia via 112 sem me identificar, só localizando a ocorrência.
E, obviamente, não voltei a ir espreitar para a rua, o filme era
violento demais para o meu gosto... Passado um bocado, cerca de meia-hora,
ouvi uma nova barulheira na escada e aí fui espreitar, de cusca mesmo,
pelo óculo da porta. Era a polícia que foi para o andar de cima falar com a dita
cuja fulana e seus acompanhantes. E, cá para mim, ela contou-lhes uma
semi-tanga pois ouvi-a dizer que os gajos (dos tiros) eram pretos e eles de
pretos, se tinham alguma coisa, era bem menos do que ela própria, eram morenos
mas não eram africanos, eram ciganos, ou, eventualmente mestiços como ela mas mais
claros do que ela. Gostei de saber que ela própria tinha chamado a polícia. Mesmo
contando-lhes uma semi-tanga, pelo menos estava com medo. E o facto é que desde
aí até ter-se mudado (uns meses antes de eu própria ter mudado) a rapariga
sossegou e não houve mais bagunças nocturnas.
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