quinta-feira, 15 de maio de 2014

HISTÓRIAS ANTIGAS - Susto na noite



Por cima do andar onde eu vivia, na Av. Afonso III em Lisboa, havia dois sotãos habitados (99% de certeza ilegais enquanto habitações, mas isso é outra história). Do meu lado, i.e. mesmo por cima de mim, morava um rapaz caucasiano, "russoucranianooualgoassim", bem educado, simpático q.b., sossegado. Do outro lado morava uma rapariga, mistura caucasiano/africano, de nacionalidade qualquer coisa de língua portuguesa menos brasileira porque não tinha pronúncia brasileira, que de sossegada, simpática e educada não tinha nada! Era uma bagunça todas as noites, montes de gente barulhenta num entra e sai, num sobe e desce a escada , às vezes 2, às vezes 3, 4, 5, 6 vezes. Uma noite, cerca das 23H00 a bagunça escada acima, de um grupo de pessoas, era, nitidamente, pela velocidade, os arfares e as exclamações, de quem ia a fugir de alguma coisa e, simultaneamente, ouvi uma barulheira exaltada na rua. Aproximei-me de uma das janelas da frente, que estava meio aberta e com a persiana também meio aberta e um dos homens que vi lá em baixo (eram 2) estava armado com um trabuco, não percebo nada de armas mas 'macacos me mordam' se aquilo não era uma caçadeira de canos serrados ou uma 'shotgun' como as da polícia, e, mal pressentiu um movimento na minha janela - EU - apontou o trabuco na minha direcção. Com o trabuco a visar-me, aconteceu-me o que só acontece em situações de grande susto, pensar, em 1 segundo ou menos, uma quantidade tão grande de coisas que depois não se consegue perceber como foi possível fazer aquele raciocínio todo em tão pouco tempo. Pensei: “ele não é/está completamente desnorteado ou já teria rebentado a porta do prédio a tiro e entrado por aí dentro a dar tiros para todo o lado, eu não sou, certo e seguro, a pessoa a quem ele quer dar um tiro, mas... se ele não me vir bem, ou seja se eu fugir, pode pensar que sou e, no mínimo, dar uns tiros para a janela e eu ficar com tudo escaqueirado e, no máximo... pode mesmo rebentar a porta do prédio e mais a do meu apartamento a tiros e ainda me dar um tiro a mim, por engano, já dentro da minha casa... O melhor é mostrar-me!”  E foi o que fiz, abri a persiana e a janela na totalidade e mostrei-me. Resultou! Mal me mostrei ele deixou de visar a minha janela e apontou o trabuco para o chão. Voltei para dentro, fechei a janela na totalidade e, claro! fui telefonar para o 112 para mandarem a polícia. Estava eu a pegar o telefone e o caramelo deu 4 tiros (tiraços!) para o ar. Chamei a polícia via 112 sem me identificar, só localizando a ocorrência. E, obviamente, não voltei a ir espreitar para a rua, o filme era violento demais para o meu gosto... Passado um bocado, cerca de meia-hora,  ouvi uma nova barulheira na escada e aí fui espreitar, de cusca mesmo, pelo óculo da porta. Era a polícia que foi para o andar de cima falar com a dita cuja fulana e seus acompanhantes. E, cá para mim, ela contou-lhes uma semi-tanga pois ouvi-a dizer que os gajos (dos tiros) eram pretos e eles de pretos, se tinham alguma coisa, era bem menos do que ela própria, eram morenos mas não eram africanos, eram ciganos, ou, eventualmente mestiços como ela mas mais claros do que ela. Gostei de saber que ela própria tinha chamado a polícia. Mesmo contando-lhes uma semi-tanga, pelo menos estava com medo. E o facto é que desde aí até ter-se mudado (uns meses antes de eu própria ter mudado) a rapariga sossegou e não houve mais bagunças nocturnas.

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