sábado, 15 de junho de 2013

HISTÓRIAS ANTIGAS - Sustos afro-aéreos



Preâmbulo: eu tinha sempre evitado viajar de avião porque tinha medo, um medo irracional já que nunca tinha experimentado. Até que um dia tive a oportunidade de ir passar férias a Moçambique, tinha companhia e tinha alojamento gratuito. Como sempre tinha tido curiosidade de conhecer África, decidi esquecer o medo de andar de avião e fui fazer o meu baptismo de vôo em grande, uma viagem intercontinental de 12 horas de Lisboa a Maputo. Correu bem, não enjoei, não tive sequer entupimento dos ouvidos pela pressão da altitude, o vôo feito com a LAM (Linhas Aéreas de Moçambique) foi tranquilo, sem grandes turbulências nem poços de ar e a aterragem foi perfeita, tirando a pequena apreensão quando o avião decola e aterra (que acho que toda a gente sente) não tive medo nenhum.

O plano das férias incluía, além da estadia em Maputo, uma ida a Joanesburgo de autocarro e uma ida ao arquipélago de Bazaruto... de... avião. Já baptizada pela viagem de Lisboa a Maputo, embarquei sem temores no aviãozinho perereca de 15 lugares que fazia a ligação de Maputo a Bazaruto. A mesma apreensão na decolagem e na aterragem, esta a rasar o oceano que, embora sendo o lindíssimo Índico, aumentava a apreensão, mas nada a dizer da viagem de uma hora e tal, correu bem, não tive medo. Depois de uns dias em Bazaruto, na ilha do mesmo nome, voltei a embarcar no aviãozinho para regressar a Maputo. Tinham saído em Bazaruto passageiros que vinham de Maputo e nós que iamos para Maputo completámos a lotação juntando-nos aos passageiros também provenientes de Maputo que iam ficar noutra ilha do arquipélago, Banguerra, onde o avião ia escalar antes do regresso a Maputo. Então o avião começa a acelerar pela pista (de terra batida e erva), acelera, acelera, acelera, sem nunca levantar as rodas do chão, trava a fundo no final da pista, volta para trás, volta a arrancar em aceleração máxima, acelera, acelera, acelera sem nunca levantar as rodas do chão, trava a fundo no fim da pista, volta para trás, volta a acelerar. À 4ª tentativa, já com todos os passageiros a suar em bica do calor e do susto, finalmente levanta vôo. E segue rasando o Índico até Banguerra onde ia deixar os restantes passageiros vindos de Maputo e recolher outros tantos que iam regressar a Maputo. Aterra sem problema, saem passageiros e entram outros tantos. E repete-se o susto da decolagem, acelera, acelera, acelera, trava a fundo no final da pista, volta para trás, acelera de novo, volta a não levantar, volta a travar, não levanta nem à 4ª tentativa. Então a tripulação (dois pilotos e uma hospedeira) pede para os passageiros que tinham entrado ali em Banguerra sairem, diz que vai deixar os outros (onde eu me incluía) a Vilanculos e que volta para buscá-los e voltar a Vilanculos embarcar toda a gente. Só com metade dos passageiros o avião levantou à primeira tentativa. Supostamente rumo a Vilanculos que fica no continente. Mas de repente começa a baixar na direcção de outra ilha do arquipélago. Eu pensei – e pelo pânico em que muita gente já estava acho que todos os passageiros pensaram o mesmo – que íamos aterrar no meio do mato, nas dunas, numa praia, por o avião estar com problemas. Mas não, aterrámos suavemente numa pista de betão da ilha de Magaruque, onde, tal como nas outras de onde vínhamos, havia um alojamento turístico (um Lodge como, por influência Sul-africana, chamam em Moçambique). Desembarcámos para o avião ir buscar os outros passageiros que tinham ficado em Banguerra. Eu fiquei na beira da pista a olhar o avião, queria ter a certeza de que ia levantar sem problemas antes de voltar a enfiar-me nele quando regressasse para nos buscar e rumar a Maputo. Levantou à primeira, sem qualquer problema. Mais aliviada viro-me para caminhar até ao ‘lodge’ que estava a poucos metros nas minhas costas e para meu espanto reparo que estou sózinha, nenhum dos meus companheiros de viagem, nem sequer a amiga com quem eu estava, tinha tido a mesma preocupação que eu. Tinham corrido todos logo para o ‘lodge’, onde andavam entre o bar e a lojinha de recordações, a ter ataques consumistas, a comer, a beber, a comprar coisas.  A minha amiga insistia para eu pelo menos beber uma cerveja, de que eu gosto muito mas que era a última coisa que me apetecia fazer naquele momento, até porque me aguardava uma hora e picos dentro de um aviãozinho sem casa de banho. Concluí que toda a gente estava muito mais descontrolada com a situação do que eu e que o ataque consumista que estavam a ter era a maneira de compensarem o stress em que estavam. Não comi, nem bebi, nem comprei nada, fiquei a vê-los comer, beber e comprar, fumei uns cigarros, e fui olhando o céu à espera do regresso do avião que também queria ver aterrar. O avião regressou, fui vê-lo aterrar, aterrou tranquilamente sem problemas. Entretanto os meus companheiros de viagem vieram também para a pista e pararam todos atrás de mim, a hospedeira abriu a porta e baixou a escada e nós nada, ninguém se mexeu. Ela perguntou “Então? Não querem regressar a Maputo?”, eu respondi “Não sei se queremos. Isso vai voar até Maputo ou vai ficar pelo caminho?”, ela riu-se “Claro que vai voar até Maputo, não há problema nenhum.” Embora meio duvidosos, lá embarcámos. E, de facto, o avião levantou à primeira tentativa e o vôo até Maputo e a aterragem em Maputo foram totalmente tranquilos, embora algumas pessoas se tenham sentido mal pois já tinham tido tanto medo que já nada os tranquilizava enquanto estivessem dentro daquele avião. Já no aeroporto, quando estava a apanhar a bagagem, vi a tripulação e fui falar com eles. Só então percebi o que tinha acontecido (e que se eles tivessem explicado na altura tinha reduzido pelo menos 90% o susto dos passageiros), o dia estava extraordinariamente quente, na ordem dos 40º, e isso aliado ao atrito das rodas do avião na terra e erva seca fazia com que o avião tivesse dificuldade em levantar daquelas pistas estando com a carga máxima. Duma pista de betão já levantava sem problema. Por isso tinham decidido ir a Vilanculos. Mas como ao aproximarem-se de Magaruque se tinham lembrado de que ali também havia uma pista de betão tinham decidido aterrar lá pois era muito mais perto de Banguerra do que Vilanculos.

No ano seguinte voltei a Moçambique. A amiga com quem tinha lá estado de férias tinha entretanto ido trabalhar temporariamente para lá e portanto eu tinha novamente alojamento gratuito, desta vez no norte do país, em Pemba. Por essa altura eu já era “pro” em viagens de avião, além dos vôos Lisboa-Maputo-Lisboa  e da aventura do vôo Maputo-Bazaruto-Maputo do ano anterior, já tinha aproveitado o  ter perdido o medo de aviões e tinha ido a Inglaterra. Foi portanto com o maior à vontade que embarquei sózinha no vôo para Maputo e cheguei a Maputo sem nenhum percalço depois de mais uma viagem de 12 horas. E três ou quatro dias depois embarquei num vôo para Pemba. Nada de aviãozinho perereca, Moçambique é muito grande e a distância de Maputo a Pemba é mais ou menos a mesma de Lisboa a Berlim, portanto o avião era um normalíssimo avião de médio curso. À excepção de mim própria os passageiros eram todos Moçambicanos com todo o ar de habituados àquela viagem. O avião decolou na boa, voou até Nampula na boa, aterrou em Nampula na boa e levantou de Nampula na boa. No entanto à chegada a Pemba a coisa complicou-se. O avião fazia-se à pista e quando estava quase a aterrar subia de novo, dava uma voltas e voltava a fazer-se à pista e voltava a levantar e a dar umas voltas e a fazer-se à pista e isto foi-se repetindo até, finalmente, à 6ª tentativa ter aterrado. Apesar de ser uma situação um bocadinho assustadora..., não tive realmente medo, já tinha a experiência das tripulações não darem explicações aos passageiros e todos os meus companheiros de viagem estavam com o ar mais tranquilo do mundo, isto aliado a termos aterrado e levantado em Nampula pouco tempo antes sem qualquer problema, fez com que eu ficasse apenas um pouco mais apreensiva do que numa aterragem normal e muito curiosa sobre a razão daquelas várias tentativas de aterragem. Que mais uma vez esclareci no aeroporto indo falar com a tripulação quando estava à espera da bagagem. Aterrar em Pemba é mesmo assim, é uma zona de ventos fortes e cruzados pelo que uma aterragem à primeira é praticamente impossível.

E então, novamente com a mesma amiga que já tinha entretanto regressado, terminado o trabalho em Pemba, fui a São Tomé. Vôo tranquilo de Lisboa até lá, só oito horas de viagem em vez das doze para Maputo, aterragem um bocadinho assustadora porque o extremo da pista do aeroporto é mesmo em cima do mar, mas o avião aterrou sem nenhum problema. Na programação que tínhamos feito para as férias estava uma ida à Ilha do Príncipe, de avião, claro. Depois de dois dias a ir ao aeroporto e voltar para trás porque não havia vôo por causa das trovoadas, lá embarcámos. Noutro aviãozinho perereca, das linhas aéreas de São Tomé. A decolagem foi tranquila mas a meio da viagem, sobre o mar entre as duas ilhas, apanhámos uma trovoada gigantesca e apanhar uma trovoada gigantesca num aviãozinho perereca é gigantescamente assustador (já tinha apanhado por essa altura e já voltei a apanhar depois disso trovoadas a aterrar em Heathrow/Londres mas dentro de um avião grande e... não tem comparação). O aviãozinho saltava, pulava, estrondeava, abanava, chocalhava, descia abruptamente, subia outra vez, e pelas janelinhas só se via negritude e relâmpagos, enfim, de SUSTO mesmo. Os passageiros, alem de mim e da minha amiga, eram são tomenses e ninguém entrou em pânico embora toda a gente tenha ficado, obviamente, muito assustada. Só houve uma coitada duma passageira, que estava a viajar de avião pela primeira vez para ir visitar uns parentes ao Príncipe, que apesar de não ter entrado em pânico ficou tão aterrorizada que a cara dela, que era negra, ficou branca, a sério, eu nem imaginava que fosse possível porque a côr da pele é dada pela melanina, o pigmento da pele, mas é verdade, apesar de ser negra e bastante escura com o medo nem a melanina resistiu à falta de irrigação sanguínea e ficou tão pálida, tão pálida, tão pálida, que ficou branca, literalmente. Eu concentrei a minha atenção nos pilotos (o avião perereca não tinha cabine, os pilotos eram visíveis pelos passageiros) porque pensei que se/enquanto eles não entrassem em pânico devíamos estar safos. Eles não panicaram, apenas estavam  hiper concentrados e em esforço a levar o avião pelo meio da tempestade. E levaram, e pouco depois, já sem trovoada, fomos compensados pela visão maravilhosa da verde ilha do Príncipe, (menos a pobre passageira de primeira viagem que embora já tivesse recuperado a côr se recusou a tirar os olhos do chão enquanto o avião não aterrou, e suspeito que ficou a viver no Príncipe com os parentes para não voltar a entrar num avião) onde aterrámos sãos e salvos. Mas, à cautela, no dia em que fui de novo embarcar no perereca para regressar a São Tomé, antes de entrar no avião fui perguntar à tripulação se não corríamos o risco de apanhar outra trovoada (se corrêssemos eu preferia ficar mais uns dias no Príncipe até ter um vôo num dia sem trovoadas). Garantiram que não. E garantiram bem,o vôo de regresso a São Tomé foi completamente tranquilo.

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